segunda-feira, 14 de julho de 2014

"Isto já estava tudo feito para a Alemanha ganhar!"

Fico estarrecido com a forma irracional como muitas pessoas acham que tudo é uma conspiração. Pelos vistos, agora, anda a correr a história de que já estava tudo combinado para o Mundial dar nisto: a vitória da Alemanha.

Vamos ser específicos: segundo esta teoria, a FIFA combinou tudo para a Alemanha ganhar: combinou com os árbitros, talvez com as equipas adversárias, talvez tenha mesmo dado uma palavrinha ao Cristo-Rei para ver se ajudava. É essa a ideia, certo? A FIFA tinha interesse em ver a Alemanha ganhar e armou uma conspiração para que isso acontecesse, conspiração essa que tinha de incluir árbitros e jogadores que teriam de agir às claras, perante o mundo inteiro.

Portanto, num Mundial em território brasileiro, em que a FIFA tinha todo o interesse em levar a equipa da casa até à final; em que a FIFA tinha todo o interesse em levar os EUA o mais longe possível (porque se há coisa que interessa à FIFA é aumentar o interesse norte-americano pelo futebol); em que a Alemanha ganhou 7-1 ao Brasil (e 4-0 a Portugal), mas empatou com o Gana (se calhar o Gana dá-se mal com a corrupção, ou foi só para disfarçar?); em que todos vimos, em directo, os jogos… — é óbvio que houve uma conspiração, certo? A Alemanha não jogou melhor. Estava tudo combinado, certo? A FIFA arriscou mesmo tudo só para garantir que esta equipa específica ganhava.

Bolas, a FIFA pode ser criticada por tanta coisa… É mesmo preciso inventar?

Na ausência de provas ou indícios sólidos, a probabilidade desta teoria é mínima. Ora, provas e indícios, não há. Motivo, não há. Não há nada. Mas o que interessa isso? Que interessa a absurda improbabilidade duma conspiração sem motivo e sem indícios? Se pensar assim nos ajuda a encaixar melhor uma derrota, então é óbvio que houve uma conspiração e quem não concorda é parvo. Aliás, quem não concorda só pode estar feito com a Merkel!

O que me preocupa é que este padrão de pensamento é usado em muitos assuntos, que vão muito para lá do futebol, com consequências bem reais (no caso, por exemplo, do movimento anti-vacinas).

(E pronto, este último parágrafo lá justificou a presença deste post num blog sobre ciência.)

Fifa world cup org
Fifa world cup org (Photo credit: Wikipedia)

Que blog é este?

Bem, mais vale apresentá-lo. É um blog dedicado às minhas leituras científicas. Sou um estudante de Letras, é certo, mas tenho este vício. Portanto, aqui fica um blog dedicado aos livros de Ciência que tenho sempre à cabeceira. Coisa que muitos acharão o cúmulo do aborrecido, mas contra isso não posso fazer nada. Bem-vindos!

My Favourite Science & Knowledge Books
My Favourite Science & Knowledge Books (Photo credit: DanieVDM)

Ingleses, portugueses e conversas de café

O meu irmão +Diogo vive em Inglaterra e, quando nos encontramos, conversamos interminavelmente sobre tudo e mais alguma coisa. Há uns meses, a passear por Lisboa, ele lá me foi dizendo que os ingleses têm uma forma de encarar as conversas de café que é muito diferente do que acontece em Portugal. 

Não pude deixar de concordar. Os portugueses ofendem-se com facilidade ao encontrar pessoas com opiniões diferentes. Os ingleses discutem tudo, mesmo quando discordam, e tentam explicar e argumentar racionalmente. Os portugueses acham uma violência que alguém tente fazer outra pessoa mudar de opinião. Tudo é óbvio e quem não concorda só pode ser estúpido ou querer mudar a nossa opinião (que violência!). Quanto às nossas opiniões, são tão óbvias que nem precisamos de as fundamentar. 

Portanto, os portugueses discutem porque ficam ofendidos com o facto de haver gente com opiniões diferentes das suas e é preciso pôr na ordem essa gente parva. Os ingleses discutem pelo prazer intelectual da discussão e, às vezes, até discutem para chegar a alguma conclusão.

Serão mesmo duas culturas intelectuais diferentes? Ou serão estas duas generalizações um pouco abusivas?

Há que dizer que o meu irmão vive em Cambridge, onde a universidade talvez tenha embebido o ar de uma certa cultura de debate intelectual franco e racional. Há ainda que dizer que é bem provável que qualquer emigrante sinta o mesmo efeito, independentemente do país para onde vai: quando vamos para o estrangeiro, deixamos aquelas discussões de sempre, em que estamos sempre a repetir-nos, que são normais em qualquer família ou grupo de amigos. De repente, as discussões são com pessoas com as quais não temos qualquer historial de discussões e emoções fortes. Tudo se torna mais impessoal e, em termos de discussão intelectual, mais fácil.

Depois, é óbvio que há ingleses que são umas bestas a discutir e há portugueses tão racionais e calmos nas discussões que mais diríamos que fazem isso só para nos irritar. 

Não importa. O que importa é que os dois estereótipos acima descritos são reais: há mesmo pessoas que se comportam como os "portugueses" e outras como os "ingleses". Há quem entre numa discussão já com o desprezo de quem discute com quem está errado e quem tente perceber os argumentos e não se importe de "perder" uma discussão para ganhar algum conhecimento. 

Numa próxima conversa de café, talvez fosse boa ideia tentar ser menos "português" e mais "inglês", neste sentido restrito. Mas desenganem-se: é fácil dizer, muito difícil pôr em prática. 

Que fique esta história como epígrafe deste blog, que agora começa, e tentará ser calmo e racional nas discussões que propõe. Não é sempre possível, mas posso sonhar, certo?


Cambridge
Cambridge (Photo credit: Wikipedia)