segunda-feira, 14 de julho de 2014

Ingleses, portugueses e conversas de café

O meu irmão +Diogo vive em Inglaterra e, quando nos encontramos, conversamos interminavelmente sobre tudo e mais alguma coisa. Há uns meses, a passear por Lisboa, ele lá me foi dizendo que os ingleses têm uma forma de encarar as conversas de café que é muito diferente do que acontece em Portugal. 

Não pude deixar de concordar. Os portugueses ofendem-se com facilidade ao encontrar pessoas com opiniões diferentes. Os ingleses discutem tudo, mesmo quando discordam, e tentam explicar e argumentar racionalmente. Os portugueses acham uma violência que alguém tente fazer outra pessoa mudar de opinião. Tudo é óbvio e quem não concorda só pode ser estúpido ou querer mudar a nossa opinião (que violência!). Quanto às nossas opiniões, são tão óbvias que nem precisamos de as fundamentar. 

Portanto, os portugueses discutem porque ficam ofendidos com o facto de haver gente com opiniões diferentes das suas e é preciso pôr na ordem essa gente parva. Os ingleses discutem pelo prazer intelectual da discussão e, às vezes, até discutem para chegar a alguma conclusão.

Serão mesmo duas culturas intelectuais diferentes? Ou serão estas duas generalizações um pouco abusivas?

Há que dizer que o meu irmão vive em Cambridge, onde a universidade talvez tenha embebido o ar de uma certa cultura de debate intelectual franco e racional. Há ainda que dizer que é bem provável que qualquer emigrante sinta o mesmo efeito, independentemente do país para onde vai: quando vamos para o estrangeiro, deixamos aquelas discussões de sempre, em que estamos sempre a repetir-nos, que são normais em qualquer família ou grupo de amigos. De repente, as discussões são com pessoas com as quais não temos qualquer historial de discussões e emoções fortes. Tudo se torna mais impessoal e, em termos de discussão intelectual, mais fácil.

Depois, é óbvio que há ingleses que são umas bestas a discutir e há portugueses tão racionais e calmos nas discussões que mais diríamos que fazem isso só para nos irritar. 

Não importa. O que importa é que os dois estereótipos acima descritos são reais: há mesmo pessoas que se comportam como os "portugueses" e outras como os "ingleses". Há quem entre numa discussão já com o desprezo de quem discute com quem está errado e quem tente perceber os argumentos e não se importe de "perder" uma discussão para ganhar algum conhecimento. 

Numa próxima conversa de café, talvez fosse boa ideia tentar ser menos "português" e mais "inglês", neste sentido restrito. Mas desenganem-se: é fácil dizer, muito difícil pôr em prática. 

Que fique esta história como epígrafe deste blog, que agora começa, e tentará ser calmo e racional nas discussões que propõe. Não é sempre possível, mas posso sonhar, certo?


Cambridge
Cambridge (Photo credit: Wikipedia)

2 comentários:

  1. OK, para quem estiver interessado em perceber um pouco mais o que se passa aqui...

    "I’m delighted that people in Cambridge are generally happy. I’m sure that’s because Cambridge has such a strong sense of community. It’s a place where everyone is welcome and valued for his or her contribution whether they come here to study, for work or to bring up family.

    Read more: http://www.cambridge-news.co.uk/Cambridge/What-is-it-about-Cambridgeshire-that-makes-us-happy-20131029050000.htm#ixzz37OaRqdgn"


    Even business is special here (but not perfect haha)
    "Cambridge continues to be held up as an exemplar of an innovative cluster (or 'innovation ecosystem' as seems to be the new label of choice) but *the complexity of its activities can be hard to explain to those outside - and for that matter to many inside - the community*. - See more at: http://cambridgetechnopole.blogspot.co.uk/2012/07/cambridge-from-outside-looking-in-weird.html#sthash.u76HpG4N.dpuf"

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  2. O primeiro comentário desapareceu... Depois de escrever tanto... Boing
    Para resumir: concordo por razões diferentes.

    Acho que a distância inicial vem da língua ser diferente e termos de pensar mais no que dizemos. Isso contribui para uma melhor discussão e para nós tornarmos melhores ouvintes.

    Todos mudamos em contextos diferentes, só posso falar da minha experiência...

    Diria que os primeiros tempos não são nada impessoais, bem pelo contrário!
    Muito do que estamos habituados desaparece, estamos mais carentes, sozinhos, saudade, menos confiantes... Todos os pequenos momentos são cheios de experiências novas, quase como a consciência de uma criança a viver pela primeira vez!

    O que custa mais são os pequenos detalhes do dia a dia.
    Por isso mesmo, qualquer conversa, novo estranho, etc é uma oportunidade que não queremos estragar.
    Aprecia-se mais as pequenas ajudas de estranhos (Cambridge tem muito disso) e conversas de semáforo :)

    Para adicionar a isso, estamos expostos a uma forma nova de ver o mundo, não há ideia dessa perspectiva, mas a perspectiva em si! No início nem nós apercebemos onde estão as diferenças realmente importantes (provavelmente nunca acontece), mas é este processo de voltar a fazer sentido das coisas que faz crescer algo cá dentro.
    Certo ou errado é secundário, é mais importante perceber o que faz sentido para mim ou onde estão os meus limites culturais.

    Isto é especialmente visível em Cambridge porque, como eu, existem muitos muitos outros aqui na mesma situação, que compreendem o quanto ajudar um estranho significa.

    Há quem se feche em casa e fique ainda mais teimoso, mas diria que a experiência é positiva.

    Para adicionar a isso, as relações de longo prazo são mais selectivas (porque a história ainda está a ser escrita), é muito mais fácil ignorar o 'gajo dos bitaites' ou o 'gajo com mania' é Cambridge tem um Bullshit Radar pre instalado

    Sim, Cambridge é especial e para quem gosta disto, é difícil escolher outro sítio... Nem todos gostam.

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